Friday, October 19, 2012

A linguagem dos selos



"A verdadeira linguagem dos sellos". Bilhete-postal ilustrado editado em língua portuguesa,
 e circulado em Portugal em 1904 (col. particular) [1].


Se hoje não se pode tomar como regra a protecção da reputação das meninas solteiras das "bocas do mundo", há um século era uma preocupação comum a qualquer pai ou mãe que quisesse o bem de uma filha. Apesar de todos os cuidados, o enamoramento, o desejo ou mesmo o amor eram, e continuam a ser, uma aventura arriscada do espírito e da carne que nem sempre acaba bem.

A proibição da convivência em privado, levou ao uso de recursos engenhosos para transmitir o que não era permitido dizer. Usar o piscar de olhos para comunicar em código poderia levar a visitas frequentes ao médico e a uma fama de tique nervoso, que em sociedade não auguraria bom partido a uma menina que se queria bem casada. Em alternativa, a limitação da liberdade de comunicação, levou à criação de alguns códigos discretos como o dos leques, o das flores, o dos perfumes, e o dos selos, que permitiam comunicar o essencial entre quem se queria bem e desejava mais.

O código dos selos de correio foi difundido no ocidente, através de bilhetes postais impressos para o efeito, a partir do início do século XX. É claro que, não havendo um código universal da comunicação através dos selos, mas vários, ambos os correspondentes tinham de adoptar um código comum. Em algum momento da sua relação um dos enamorados teria de passar a chave ao outro, num postal ou em cópia fidedigna, e, mesmo assim, um engano podia levar uma menina comprometida a entreabrir a porta do seu coração.

Sendo um código necessariamente limitado, através dele ficamos a saber que no namoro o essencial é saber se ambos se amam, se não vão cair no esquecimento do outro, se irão poder ver-se em breve, e, sobretudo, receber um "sim", a palavra que mais se espera num romance, e a que mais é de temer entre quem se conhece mal.



1. Edição impressa em Florença pelo Stab. Grafico C. A. Materassi / Pia Casa di Lavoro, e elaborada a partir do postal "Le seul language des timbres-poste", editado em Bruxelas, do qual conhecemos exemplares circulados em 1900.

1 comment:

Catarina Miranda said...

que bela estreia, Nuno!
o essencial era, e continua a ser, os enamorados falarem a mesma linguagem - como se diz hoje, estarem em sintonia! ;-)
(o privado que fala publicamente)