Tuesday, July 15, 2008

243 postais: clichés entre a literatura e a matemática

Daniel Blaufuks, A Perfect Day, location one, Nova Iorque, 2003

On est à la pension Mimosa. Farniente, dodo et petits repas. J'ai pris un coup de soleil. Mille pensées affectueuses. Este é um exemplo das muitas mensagens de postais, criadas por Georges Perec (1936-1982), romancista e ensaísta francês que marcou a literatura do séc.XX . O membro do OULIPO (Ouvroir de Littérature Potentielle) escreveu Deux cent quarante-trois cartes postales en couleur véritables (in PEREC, G., 1989, L’infra-ordinaire, Paris: Libraririe du XXIe Siècle, Seuil), uma espécie de correspondência ficional através de postais, dedicada a Italo Calvino, o autor de As Cidades Invísiveis.

Cliché e escrito de modo breve e estandardizado, o postal pode bem ser considerado um próximo antecessor das SMS e de toda a abreviada correspondência electrónica dos nossos acelerados dias. Se escrever postais de modo ‘económico’ e estereotipado é desde o séc.XIX um banal exercício, o autor de La Disparition e de La vie: mode d'emploi fez o exercício inédito de converter a síntese e o cliché num sistema regulado pela ciência exacta dos números. O conjunto de 243 postais sem imagens foi produzido seguindo um procedimento matemático específico – o número total dos postais, a composição das mensagens e a sua ordem estão sujeitos a um sistema lógico engendrado por Perec. O processo assenta na combinação de listas alfabéticas de cidades, regiões e hotéis, de secções próprias a toda a mensagem de bilhete-postal (localização, considerações, satisfação, menções, e saudações) e de fórmulas de expressão... (Mais informações sobre o processo de elaboração de Deux cent quarante-trois cartes postales en couleur véritables aqui )

E porque os postais são um cliché com face e verso, não surpreende que ao sentimento de déjà lu das mensagens corresponda também um sentimento de déjà vu das imagens. Depois de Georges Perec ter 'produzido' em larga escala os estereotipados versos de 243 postais, quis-se actualmente imaginar as repetitivas faces. Em 1999, a Gallimard editou Machines à écrire, um CDrom de Antoine Denize onde, além de ser apresentada a lógica que rege os 243 cartões-postais de Perec, se disponibiliza um céu, um cenário e um primeiro plano a partir dos quais o leitor pode criar 243 imagens diferentes, combinando-as com o respectivo texto. Em 2006, um blogger fez corresponder, ao longo de 243 dias, 243 imagens encontradas na Internet a cada uma das curtas mensagens do escritor (ver weblogue aqui ). Por sua vez, o artista plástico português Daniel Blaufuks, numa das variações do projecto Perfect Day, exposta em Nova Iorque em 2003, sobrepôs os textos de Perec a imagens aleatórias de postais.

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