nmachine_recto.jpg)

Hoje num passeio pela capital francesa já não nos impressionarão as passagens, as gares e os novos meios de transporte que tanto inspiraram Walter Benjamin, que deu a esta cidade o título de capital do séc. XIX. Em pleno séc. XXI quem se abandona à flânerie nesta cidade pode, entre muitas outras coisas, ser atropelado pelos intermináveis expositores de postais na soleira das livrarias, papelarias e lojas de souvenirs, onde logo dará pela abundância de fotografias a preto e branco assinadas por fotógrafos e artistas como Robert Doisneau, Henri Cartier Bresson, Willy Ronis, Man Ray... Quem vagueia aqui pode ainda, por outro lado, ser interrompido na sua ociosa caminhada por um qualquer transeunte que estaca na calçada de câmara fotográfica ou telemóvel em punho a imortalizar com uns quatro ou cinco flashes o edifício antigo com ar imponente - é esta a Paris vendida aos turistas pela nova tecnologia digital. Já a Paris vendida aos turistas pelo postal é cada vez menos a cidade actual, e à imagem que mostrava ao destinatário que o remetente estivera ali, mesmo ali, naquele trecho de cidade que tinha grosso modo o aspecto que se lhe descobria na fotografia, substitui-se hoje, mais ainda do que a ficção de tipo kitsch, a reprodução da ficção assinada pela arte que de algum modo inventou, inventa e reinventa continuamente a cidade.
Nicolas Hossard, sociólogo francês autor de Recto Verso, Les faces cachées de la carte postale, actualmente investigador no Laboratório de Culturas e Sociedades na Europa da Universidade de Strasbourg, em entrevista connosco no passado dia 12, afirma que os fenómenos estão intrinsecamente ligados - é a generalização da imagem digital que precipita essa progressiva amalgama da publicidade turística com a arte no postal: En effet, jusqu’à il y a quelques années la carte postale était surtout conforme au lieu parce que les gens n’avaient pas tous un appareil photo ; aujourd’hui il est impensable qu’un touriste n’a pas un appareil de photo numérique ou un portable qui prend des photos. Et du coup on personnifie le rapport à l’espace en prenant soi-même des photos de l’espace. Et ainsi il y a tout un champ qui est intéressant de développer sur la concurrence de cette numérisation de l’image et de la production personnelle de l’image qui fait se redéfinir l’imagerie de la carte postale.
Figura 2. Postal adquirido em Paris (França) em Janeiro de 2009 - na face, a fórmula inscrita pode ser assim traduzida: "Na época da Internet, o postal faz Resistência"; no verso, lê-se uma pequena frase no canto superior esquerdo "Resister c'est parfois écrire", isto é, "Resitir é por vezes escrever". Este postal já foi reproduzido e comentado aqui no nosso blogue.
Meio de comunicação interpessoal, o postal foi em certo sentido um percursor das muitas ‘tecnologias comunicantes’ que hoje temos ao nosso dispor. Por outro lado, estas tecnologias são vistas frequentemente como uma ameaça à continuidade do postal. Mas, certo é que o postal continua a ser vendido e que já não ignora nem os telemóveis nem a Internet nas suas edições.
O postal da figura 1 é assim uma das versões de uma série de postais que imita o ecrã de um telemóvel bem como as ininteligíveis abreviaturas made in sms. O postal da figura 2, apresentando na face uma contraposição entre o postal e a Internet, refere-se no verso ao acto de escrever próprio de uma tradição epistolar que não conta com os ecrãs dos nossos computadores. O postal, que curiosamente pelo seu tamanho pequeno foi um dos primeiros meios de comunicação a precipitar abreviaturas e códigos de simplificação, é ainda hoje um importante sobrevivente da mensagem manuscrita bem como desse trajecto geográfico ‘real’ que é o envio por correio.